23 janeiro 2009

A vida secreta de uma toupeira IV

Estava com o olhar esgrouviado do costume e um pé comprometido com a realidade. Ela estava de chapéu branco perfeitamente harmonizado com a bota igualmente branca e o vestido preto e desabotoado. A coxa estava bronzeada e atrevida. Olhei para os dois e vi aquela intensidade, aquele desejo de partilhar o mundo todo. Ela chegou a preto e vermelho, o cabelo solto e um sorriso cúmplice. Pousou o cachecol cor de cereja na cadeira em frente e sentou-se confortavelmente ao meu lado. Ele voltou mais tarde com a sensação de que estava atrasado. Pegou e cheirou demoradamente o cachecol cor de cereja colocando-o em volta do pescoço. Esboçou uma certa feminilidade que se manteve por longos momentos enquanto falava da importância para música portuguesa do António Variações. Eles conversaram demoradamente, fumaram cigarros e partiram quase tão rápido como tinham chegado. Ele retirou o cachecol cor de cereja do pescoço e cheirou-o uma última vez. Partiram cada um para seu lado sob uma chuva intensa. Ele atendeu o telefone sabendo exactamente quais as palavras que deveria utilizar.
Eu, senti a pele húmida, mas isso era perfeitamente natural.

1 comentário:

Paulo Hasse Paixão disse...

Gosto à brava desta novela por fascículos, tanto mais que ainda não percebi nadinha do enredo. Serei, por isso, ansioso consumidor dos futuros episódios.