28 maio 2010

FarmVille

As previsões para 2010 são francamente más. Sob o signo de gémeos prevêem-se armas e armadilhas bem ancoradas à metáfora do escorregar na casca da banana. Nada de bom, portanto. A PJ bate à porta, questiona sobre o que andas a fazer de ilegal. Alguém te diz que vais fazer parte de um Conselho de qualquer coisa, alguém te diz que vais ter que tomar decisões sobre as quais não sabes absolutamente nada e talvez nem queiras saber. Alguém quer que te definas, que tomes uma posição. Todos te dizem que o ser humano é coisa política e lá vais assim pesando os prós e contras… e irremediavelmente acreditar que tudo pode ser diferente.
Voltas a casa, ao silêncio do terreno saibrado, à paisagem agreste da terra endurecida pela geada. Sonhas lá do alto do monte, emocionas-te mesmo. Julgas ter um projecto de vida. Admiras longamente o novo contorno do terreno, agora desprovido de vegetação. Imaginas patamares cheios de vinha, estradas que atravessam o terreno. Vês mesmo algumas roseiras e ciprestes em bordadura a apontar um céu grequiano. Voltas aos pontos mais baixos da paisagem e tens a p… da realidade. Sentes e olhas as pessoas que te rodeiam. Vês uma lágrima mal ocultada na cara do teu pai envelhecido e só. Do teu pai sem a pujança de outrora. Sentes que para que uns vivam outros estarão a morrer e que esse é o curso natural das coisas. Sentes que é impossível viver plenamente feliz e que na melhor da hipóteses terás alguns arrebatamentos de bem-estar contigo e com o mundo.
Colhes uma troncha enrugada pela geada. Dizem-te que assim é mais suculenta e macia no prato.

Universo, sistema solar, terra, um ponto no Google Earth.
Estou aqui a olhar para as coisas do mundo. Aqui onde tudo vive, nasce e morre. Confirmas para ti mesmo os 40 anos de vida e sentes que deves cada vez mais cuidar da alma para que o corpo não estoire.

Entretanto, alguém te diz que só os loucos interessam, alguém te diz que deves praticar a tua verdade, que deves ser inconformista, que deves afrontar a realidade, que deves ser aquilo que guardas religiosamente no teu diário imaginário e aquilo que escreves num blogue, que por ser público, até parece já não fazer parte de ti. Coisa estranha, vomitar diários para a blogosfera. Enquanto uns têm medo de existir tu projectas tudo na rede, tu vomitas o que sabes e o que não sabes. Estranhas verdades para uns, indiferença de outros, encontros na paisagem de existir para alguns.
Vais para a rua caminhar, olhar a paisagem numa tarde soalheira e descobres que perdeste o olhar virginal sobre tudo, que poucas coisas te fascinam verdadeiramente e que já é uma segurança enorme poderes percorrer a mesma rua durante anos. Que homem é esse em que te transformaste.
Sentes que tens os teus limites traçados e vês pouco mais que nada. Aceitas. Jogas com o destino, jogas com as sensibilidades. Ficas confuso, ficas incerto, ficas por momentos sem chão e retomas a espuma dos dias.

Publicado na Revista Pensares (ESJAC) Maio de 2010

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