13 março 2009

A vida secreta de uma toupeira VII

A paz secreta de uma paisagem é um lugar estranho

Vês-te para lá dos montes para saíres de um sufoco existencial. Atendeste o telefone para te ouvires a ti próprio vociferar contra a vida inspirada que levavas. Deste-te conta de que chegaste à meia idade sendo um traquina das emoções. Querias ser tudo, poderias até ser tudo, mas mantinhas-te fiel a uma certa jovialidade que dificilmente manterias por muito mais tempo. Sentias-te afundar num marasmo, deixaste-te emocionar por uma névoa. Olhaste para o lado e as crianças com quem viveste os primeiros anos de escola eram agora homens e mulheres autónomos e cheios de convicção. Tu não, tu no escuro de um certo tempo mantinhas-te fiel ao indefinido, ao difuso e ao não saber bem como vai terminar o dia. Acreditavas em tudo, aceitavas tudo e até pensaste que tudo seria possível. Ergueste os braços quando te meteram farpas no coração. Consideravas-te um homem de valores, um homem redondo e livre. Desenvolveste uma espécie de cápsula existencial que se por um lado aproximava gerações por outro te distanciava da essência que julgavas possuir – da vontade de seres muito bom em qualquer coisa. Mas tu não, continuavas perdido, refém de querer ser tudo, refém das intensidades. Pensaste que poderia ser assim para sempre, mas estavas enganado.

Existe uma fórmula química que nos dita o tempo, existe uma fórmula humana que nos restitui a liberdade de agir e pensar uma coisa e fazer exactamente o oposto. Existe insustentabilidade nestes seres difusos, como nas crianças dos primeiros anos de escola. Estar no mundo e gostar de tudo é como olhar a paz secreta de uma paisagem e sentir que estamos num lugar estranho.

Estavas cheio de ideias fortes, de vontade de partir, mas foste ficando, foste-te adaptando aos altos e baixos de uma vida sóbria e aos entusiasmos dos dias bons. Foste cavando túneis, caminhos tão sólidos como insólitos. Querias vivenciar o mundo dos homens e até compreendê-lo aflorando à superfície com alguma frequência. Foste medindo a intensidade da luz e escolhendo cada vez mais o lusco-fusco dos dias e as ramagens mais densas. Foste-te desiludindo e incorporando os arrufos, as misérias e as loucuras da humanidade. Conheceste homens bons e outros tantos seres cavernosos, seres que como tu vieram do escuro e ao escuro sempre tendiam a voltar. Seres escravos das mais estranhas causas, dos mais obscuros pensamentos. Estavas triste num dia triste e numa luz difusa de um Outono negro. Hoje pensaste que dormir seria a melhor solução e não é que o tempo te deu razão!

Sem comentários: