05 novembro 2007

O peso e a leveza

Entre o choro compulsivo e a grande gargalhada, há uma afinidade electiva, que nos pode levar naturalmente, de um lado ao outro, sem que estejamos a a ter uma qualquer síncope neuronal.
Nos rituais de morte, ambas as acções tem por finalidade expiar a mesma dor, o mesmo desconforto e ajudam-nos a reencontrar a normalidade possível.
De tão viscerais que são, ambas as manifestações podem decorrer em simultâneo, sendo que apenas, a associação naturalmente feita a cada uma delas, ou o medo do que os outros possam pensar de nós, nos leva a conter esta livre e extraordinária ambivalência do sentir.
Como já vão fazendo parte das minhas vivências, experienciar alguns intensos rituais de morte, tenho observado que em muitos momentos as pessoas riem até às lágrimas, soltam grandes gargalhadas, dizem piadas cáusticas, parecem quase felizes. Estas expressões, ao contrário do que se possa pensar, não correspondem a qualquer tipo de leviandade ou falta de decoro - bem pelo contrário, elas existem para nos aliviar do que é pesado e ajudam-nos a reencontrar a leveza espiritual necessária ao equilíbrio emocional. Momentos assim bonitos acontecem por exemplo,
na noite em que se vela o falecido, a altas horas, quando já só estão presentes pessoas chegadas ao falecido; ou, após o funeral, quando o corpo é devolvido à terra e a nossa mente se torna leve flutuante e criativa, que para os crentes, pode ter como paralelo o momento em que a alma do defunto se eleva ao Reino dos Céus.

1 comentário:

Renan Kossmann disse...

ambivalência do sentir, bela expressão.