
O dia tinha terminado. Estava exausto. Trabalhei seguramente durante dezoito horas.
Passei o dia, como grande parte dos dias da minha curta existência a fazer um trabalho repetitivo, ainda por cima hoje tive que aturar a patroa, que se babava por todos os lados. Eu não sei se sabem, mas trabalho num lugar escuro, sombrio, e a maior parte das vezes húmido. Nas paredes não existem quadros e quase nunca se sonha. Lá onde trabalho, todos nos limitamos a passar silenciosamente uns pelos outros, na melhor das hipóteses esboçamos um impossível sorriso. Somos explorados dia após dia por um poder invisível e despótico. Neste momento estamos a trabalhar num livro, uma edição bastante antiga do Alves Redol. A pior parte é a capa, capa dura, como se faziam antigamente. O meu trabalho hoje foi remover a lombada interna. Por vezes quando pude subir à zona superior da capa olhava o horizonte, mas a vista não era particularmente bonita. Um velho cadeirão com a almofada esburacada e uma janela entreaberta. As paredes estavam negras de tanta humidade e a um canto uns sacos de plástico do Pingo Doce abandonados e com restos de comida. Houve dias em que aparecia alguém para dormir, mas já há quatro dias que é só aquilo vazio. Por vezes o sol entra pela janela e eu fico expectante a imaginar os mundos que não existirão do outro lado. Mas não dura muito. Rapidamente sou forçado a avançar carregado com pedaços de lombada. Durante a noite sonho libertar-me deste mundo constrangedor, colocar uma bomba, destruir o mundo hostil.
3 comentários:
esta é a voz de uma solidão demasiado ruidosa
pois é, bem sei que lemos os mesmos livros na mesma tasca ruidosa
gostei muito deste texto e da foto mas estou sem arcaboiço emocional para o comentar, gostei, pronto, ponto.
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