02 maio 2010

1º de Maio. EU e TU.

“Os anos foram a nosso favor, não contra nós”
Henri Michaux, in “Nós dois ainda”

Nesta noite, como noutras noites em que vomito coisas para a rede (WWW) e em que tenho 100.000 coisas para fazer, vou simplesmente reflectir, olhar para mim e olhar para ti passados exactamente 20 anos. Vou beber três ou quatro copos de vinho, vinho bom, vinho combustível intemporal dos amantes.
Olho muitas vezes para ti, aliás, penso que passei grande parte da minha vida (pelo menos 20 anos) a olhar para ti, linda e abrangente. Foi-se algum calor, é verdade, a intensidade do sexo e de alguns mundos em descoberta comum, mas ficou a súmula de tudo, ficou este amor profundo. Esta coisa grande que é ter uma pessoa próxima, muito próxima, tangível. Como se viver fosse o Eu ampliado a Tu. Como se o EU não fosse EU, mas EU e TU.
Deste desdobramento físico, sensorial e tudo, se fez uma relação forte, uma relação de sempre para sempre. Como se o antes nunca tivesse existido, como se tu fosses intrínseca, como se fosses EU. Olho-te repetidamente embora até possas não o notar, e sei que isso é recíproco. Olho-te com a força de querer tudo, de saber que estás aí com a tua generosidade natural, com a tua inteligência, com a tua liberdade e autonomia. Com os teus desejos grandes, com as tuas idiossincrasias.
Escrevo muito sobre mim e sobre aqueles que me rodeiam e são significativos. Quase sempre me esqueço de ti como se de mim mesmo me esquecesse. Mas, como sabes, dificilmente publico algo sem que passe pelo teu filtro. Como se não fosse capaz de me expor verdadeiramente, como se o EU fosse carente do TU.
Sei claramente que há palavras não contempladas no nosso léxico vivencial, sei que este exercício reflexivo é completamente desnecessário, que todas estas palavras são algo inócuas. Sei que é impossível dizer tudo, sei que posso desistir a qualquer momento deste exercício de colocar em palavras o nosso amor.
Mas vou continuar…
Existem momentos e existem dias em que não distingo, em que não sei verdadeiramente quem sou, não sei efectivamente colocar-me em perspectiva, não sei para onde vou. Questiono opções, questiono tudo, e como se de algo natural se tratasse sempre sei que estarás aí… sempre do meu lado, sempre como prolongamento do tudo. Sempre com a energia grande, sempre TU e EU.
Lemos os mesmos livros, somos reféns das mesmas intensidades, gostamos das mesmas pessoas, podemos compreender o mundo todo com num simples trocar de olhares. Somos tolerantes, somos abrangentes, somos autênticos, partilhamos valores intemporais.
Claro que somos diferentes em muitas coisas, mesmo muito diferentes… a começar com a minha tendência para a ordem em directo conflito com a tua desorganização. Mas mesmo aqui a nossa diferença é apenas um pormenor. Um pormenor que nos aproxima mais do que nos afasta. Respeitamos deliberadamente o espaço do outro, embora eu seja por natureza mais invasivo.
Da nossa longa vida em comum fica este resultado grande de respeito intrínseco pela vontade do outro, desta energia única de levar a vida para frente, desta partilha grande que é dar importância ao que verdadeiramente é importante e nos projecta para a inteligência e a abrangência que esta possibilita.
O nosso corpo caminha junto, em uníssono com as nossas sombras variáveis, mutáveis, errantes e volúveis, como tudo que verdadeiramente importa.

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