Há em mim duas viagens, dois ou três quadros paradisíacos encerrados na mala do carro
há em mim duas viagens que se digladiam e as imagens que vêm do frio e do Outono dos dias, do rosto de gente e dos ténues monumentos
há em mim céus boreais e visões caleidoscópicas, ondas de marfim e sangue, incomensuráveis vazios e desejos vadios
há em mim desejo de verdade, coisas simples e nadas que duram milénios
há em mim um clássico que me faz chorar e mundos despidos de artifício
há em mim vida, rios de saudade e de visões heliocêntricas
uma infinidade de lugares e de odores perdidos no tempo
há em mim uma espécie de vento na fronteira entre o comum o excepcional.
Olho as coisas, compreendo os procedimentos e diluo-me num espaço intemporal onde o corpo é matéria volátil, onde o coração é balão insuflável de desejos e angústias.
Há em mim vazio, não saber e não querer
há e mim despeito , ousadia e perdição. Uma esponja sensorial insondável
há em mim desregramento e tatuagens perenes
há em mim coisas que não compreendo, seres heróicos, mortos-vivos e eclipses lunares
há em mim espaço para qualquer coisa que ainda não vivi
há em mim uma toupeira cercada de terra , de escuro e estonteante luz crua
há em mim paisagens humanas e naturais que me arrebatam, enquadramentos de existir, coisas simples de doer, silhuetas espectrais, fronteiras para lado nenhum – sonhos irrealizáveis.
Um pouco de azoto e verdade é tudo que de essencial necessito para viver.
…
Gosto de seres poéticos, de cabelos enrolados no vento, de histórias de amor impossíveis e de devaneios estéreis
gosto de pensar em nada, das nuvens rápidas a atravessar os montes e de folhas outonais suspensas no ar
gosto de enquadramentos fotográficos arrebanhados ao quotidiano
gosto dos sorrisos suaves que me olham e gosto também de olhar o sorriso escondido dos que se pensam sós
gosto dos tiques, das manias e da paranóia
gosto de observar e de inventar histórias mais ou menos falsas acerca de tudo
gosto de me lembrar do que sonho e das manhãs solares
gosto de decidir partes importantes do dia no chuveiro matinal enquanto a luz entra difusa pela clarabóia
gosto dos insatisfeitos que têm um brilho abrangente no olhar
gosto dos inquietos, dos libertinos, dos espontâneos e dos noctívagos
gosto da transparência, dos palhaços e da autenticidade
gosto dos que são capazes de viver cada dia como se fosse o último
gosto dos que riem, dos que choram, dos que se emocionam com qualquer coisa
gosto de ouvir gente simples a pensar em voz alta.
Gosto de verdade não sabendo muito bem o que isso é.
1 comentário:
Há em mim qualquer coisa que gosta da essência destas palavras. Copiei-as para o meu caderno.
Enviar um comentário