12 agosto 2005

Crónica de um lugar


Café do Senhor António - Praia de Melides

As portas fecharam-se. O ritmo das coisas recusou-se a continuar.
O Pinguim ajeitou-se junto a nós na esplanada improvisada desde sempre. Ajeitava-se enroscado sobre si mesmo no conforto possível que um cão pode obter sobre a areia. Como sempre, do escuro ouvia-se o mar. Lá dentro talvez a Fatinha ainda faça as limpezas. Talvez o Castanho esteja confortavelmente aninhado sob as mesas ou um rato esquivo percorra o beiral. Nós afastamo-nos, recusando um último olhar sobre um lugar importante na nossa construção existencial e condenado a deixar de existir ou a existir para sempre no lugar que atribuímos ao mito, mito das coisas vividas com a intensidade possível dos dias. Este lugar que habita em nós, acontece porque nunca se quis impôr. E talvez o torne especial ser pouco exigente, se ter recusado a olhar para nós a interrogar a nossa verdade. Este lugar nunca quis saber e nós também nunca pronunciamos o nosso apego às coisas sérias que por ali passavam: o senhor que adormecia a ver televisão em frente ao café e ao bagaço, os cães, os gatos e as pulgas que se passeavam perigosamente por todo lado, a infinita panóplia de humanos que por ali populavam e que nas palavras do Senhor António, não eram mais do que guedelhudos, a simpatia contida da Fatinha e o olhar sisudo da sua mãe sentada sempre no mesmo lugar a comer pevides.
Os lugares que habitamos com intensidade transformar-se-ão inevitavelmente em lugares extintos e marcar-nos-ão sensorialmente para sempre, e bem pode o Sr. António carregar as grossas portas de madeira que nos separam do interior que o mito do lugar irá permanecer.
Este lugar extinguiu-se outros estão em vias de surgir.

1 comentário:

Anónimo disse...

A tasca do Ti Antonio é sem dúvida um dos melhores lugar do País!